Sumidoiro's Blog

01/08/2014

NOS PASSOS DO IMPERADOR (I)

Filed under: Uncategorized — sumidoiro @ 10:02 am

♦ Ouro Preto em festa

 “Dentro de um mês, segundo noticiam as folhas da corte, SS. MM. Imperiais partirão para esta capital, que pretende honrar com sua visita, bem como outros pontos da província.” Assim noticiou o jornal “Província de Minas”, de Ouro Preto, em 27.02.1881. A viagem se confirmou, com d. Pedro II e dona Tereza Cristina partindo do Rio de Janeiro, no dia 21.03.1881, sábado, às 6 horas da manhã. Sua alteza cuidou de escrever um diário de viagem e também a imprensa deu grande cobertura à visita. Parte dos acontecimentos são aqui revividos por Sumidoiro’s Blog(1).

Post - Panorama Ouro PretoOuro Preto que encantou Pedro II. 

Post - JornalO jornal “A Província de Minas”, de Ouro Preto, publicou:

MARÇO — 27 — “… SS. MM. Imperiais partem da corte, a 26 do corrente, para esta capital, passando por Barbacena, Queluz* (*Conselheiro Lafaiete), etc., e pretendendo, d’aqui, ir a Mariana (onde assistirão as solenidades da Semana Santa), Morro Velho, Sabará, Lagoa Santa e São João del-Rei, percorrendo, depois, as estradas do oeste, Pirapetinga* (*Manhumirim) e Leopoldina. […] chegaram a esta cidade no dia 30 deste, fazendo sua entrada pelo caminho do Funil, ruas de Ouro Preto, Glória, Rosário, Tiradentes e praça da Independência, indo hospedar-se em palácio.”

Post - D. Pedro & DiárioDuas páginas do Diário e d. Pedro II em caricatura de Bordalo.

TRECHO DE QUELUZ A OURO PRETO

Post - D Pedro miniDiário

D. Pedro II

MARÇO — 30 (4ª fª) − Partida às 6 h; Carreiras − Bonita posição de vasto horizonte, para leste e, sobretudo, oeste. Encosta* (*encostada) a uma tronqueira* (*cancela de troncos), estava uma linda rapariga com sua saia e camisa, revelando formas elegantes. Dava-lhe muita graça o lenço branco de pontas pendentes, atado na cabeça. O caminho é bom, porém muito montanhoso. Passam-se diversos ribeirões, havendo uma ponte solidamente construída, todas as águas do Paraopeba.

Varginha − Casa onde se reuniram os inconfidentes. Pertencia, então, a um hospedeiro de nome João da Costa. Vi a mesa e bancos corridos, de encosto, onde se assentavam. São de maçaranduba e estão colocados na varanda. Reparando que não houvessem conversado no interior da casa, disse-me o dono dela, que havia vedetas* (*vigias) para avisá-los.

Post - Mesa & banco— Assinando José Códea, Angelo Agostini como enviado da “Revista Illustrada”, desenhou os móveis citados e escreveu: “Na casa de Manoel Alves Dutra, na Varginha, existem dois bancos e uma mesa, feitos de maçaranduba, que serviram nas conferências dos Inconfidentes, sob a direção do grande cidadão Tiradentes. Hoje, serve para comer-se boas feijoadas com cabeça de porco (tempora mutantur!).

Atravessada a ponte do ribeirão da Varginha, entra-se no município de Ouro Preto. Chegada à casa do Sperling(2), cuja mulher é sobrinha do Sepetiba (Aureliano)(3), perto do arraial de Ouro Branco, às 10 h. Vieram encontrar-me, a caminho, Gorceix(4) e outros. Gorceix já está um verdadeiro mineiro e fala, correntemente, português. Almoço, onde conversei sobretudo com Gorceix, que já conhece as principais pessoas de Minas, e segui às 11. Chuva forte, segundo dissera Gorceix, consultando o seu aneróide* (*barômetro), que traz como relógio desde o arraial do Ouro Branco, que é pequeno, com sua igreja, que não parece feia de fora, até mesmo depois de galgada a serra, que tem belos pontos de vista. Gorceix ia me mostrando as diversas rochas, quase todas de xistos micáceos* (*de mica) e cuja inclinação é de N.N.O.* (*coordenadas geográficas).

Post - José Côdea

Pedro Luiz montado n’um burrinho pequenino. O outro sou eu (José Códea ou Angelo Agostini).

Conversamos muito de geologia e mineralogia. A descida da serra do Ouro Branco é mais pitoresca do que a subida. Ao chegar ao cimo, formava-se escura trovoada, do lado da subida. Aproximando-me do arraial do Itatiaia, vi uma papuda. Monsenhor José Augusto(5) contou-me que, na freguesia do Jacaré, de que foi vigário, até as crianças nasciam de papo(6), que chamam pescoço − reparando em quem não tem pescoço. Também me disse que, indo pregar, um raio matou-lhe a besta, deixando(-o) desacordado e, depois, oito dias sem poder articular palavra e com um sinal numa das fontes, onde sentira como uma pancada, o qual durou-lhe dois anos.

A subida do Itatiaia com penhascos é muito pitoresca. O caminho para lá, do alto, também agradou-me bastante. Às 4 chegava a Falcão, onde havia uma caleça(7) onde entrei e troles(8). A descida para Ouro Preto parece a de Petrópolis. Vieram muitos cavaleiros a meu encontro e, entre eles, Pedro de Alcântara Feu, afilhado meu, que batizei, em 1840 ou 41, filho do Feu(9), do 1º de cavalaria. Às 4 h e 20′, passava por defronte da casa de d. Felicidade e, às 5½, chegada a Ouro Preto, cuja vista encantou-me. Apareceu-me, na imaginação, como Edimburgo.

A estrada que margeia o ribeirão do Carmo(10), que atravessa, em parte, uma espécie de túnel, é lindíssima. A caleça custou-lhe a subir por estas ruas de aspecto tão original e temia que pisasse alguém, pois havia imenso povo, e cordialíssimo acolhimento. Enfim, alcancei o alto do palácio, mas tive de apear-me e subir ainda um pouco. Aí, encontrei vice-presidente e bispo(11). O palácio é de construção muito característica. Parece uma fortaleza e até tem guaritas. Defronte, levanta-se a bela cadeia(12), cuja iluminação, de copos de cores e luz elétrica, logo que anoiteceu, era lindíssima.

Jantar. Recebi algumas pessoas, das 7 às 9, no belo salão do palácio, que tem excelentes acomodações. Recolhi-me às 9 e pouco, li. Desde ontem, que vejo congonha do campo* (*tipo de arbusto) e colhi um ramo florido. Vi hoje a canela de ema, planta que acende a modo de vela.

Post - Congonha & canelaCongonha do campo e canela de ema.

Post - D Pedro mini

Diário

MARÇO — 31 (5ª fª) − Ontem, houve fogo de artifício, que não foi brilhante e soltaram um balão defronte do palácio. Esta manhã, tomei um bom banho frio, num banheiro de pedra bem arranjado no fundo do palácio. Quis ler a inscrição, mas só pude distinguir − Palmensis Comes 1812(13). Cerca das 7½, saí. Dei uma volta pela cidade entrando nas igrejas − do Carmo, de cujo interior gostei, havendo na sacristia um lavatório(14) de pedra um pouco azulada, cuja escultura revela talento e, sobre a porta, esculturas do mesmo gênero, que não me agradaram tanto; e da matriz, cuja forma parece antes de teatro e onde conversei com o cura Sta. Ana(15), cuja fisionomia predispôs-me em seu favor. Do lado do Carmo, a vista para o lado das Cabeças é muito pitoresca. As ladeiras são íngremes e mal calçadas.

9½, Escola de Minas(16). Arco original, em forma de martinete* (*grande martelo) e instrumentos de mineiro. Gorceix deu sua lição durante uma hora, fazendo dois estudantes, Luís Barbosa e Paulo, reconhecer rochas que estavam sobre a mesa, mostrando ambos, sobretudo Barbosa, muita aptidão. Percorri a escola que, parece-me, muito bem montada.

Às 10½, voltei para almoçar. Por causa da demora da segunda liteira, só muito depois do meio-dia estava na matriz para o Te Deum. A música não foi muito ruim. O cônego Ottoni(17) pregou bem, embora metesse alguma literatura profana no sermão e, parecesse-me* (*pareceu-me) ouvir-lhe falar dos carvalhos, sob os quais balançavam-se os caboclos nas suas redes. Daí, fomos ao Rosário, que só se distingue por sua arquitetura externa. Corpo da igreja oval; Carmo, onde disseram-me que o lavatório era obra do Aleijadinho e, já com chuva de trovoada, a São Francisco de Assis, cuja escultura do santo, em êxtase, sobre a porta, púlpitos − principalmente o baixo-relevo da tempestade do lago Tiberíade − e figuras do teto da capela-mor; tudo obra do Aleijadinho − são notáveis.

O teto do corpo da igreja foi pintado pelo tenente-coronel Athaíde(18), amigo do Paula Cândido(19). Não pensava que fosse capaz de tanto, pois a pintura revela bastante talento no grupamento das figuras. Referiram-me que Athaíde fôra discípulo da academia de belas-artes(20).

De um dos lados da igreja, descobre-se no vale a casa de Marília de Dirceu. Fui depois à polícia, onde falta a estatística criminal e a da legislação de 1878. Há um telefone que se comunica com a cadeia e o palácio. Aí morou o ouvidor Tomás Gonzaga e, de uma das janelas, veem-se muito bem, ao longe, as da casa de Marília. Disseram-me que Gonzaga costumava passear até perto de uma igreja, no alto de uma ladeira, onde se deitava a contemplar a casa de Marília.

Post - Casa de MaríliaCasa de Marília de Dirceu (Maria Dorothea Joaquina de Seixas), demolida em 1927.

Enfim, estive na casa da câmara, que é a melhor que tenho visto em minhas viagens. Reparei somente que não guardam com cuidado os padrões de pesos e medidas. Prometi dar uma bomba de incêndio à municipalidade, comprometendo-se o presidente Domingos Magalhães de organizar uma companhia de bombeiros. Nunca se pensou nisso.

Jantar às 5. Conferência de Gorceix no salão da Assembleia, que ficou cheio. Gorceix expôs com talento as riquezas de Minas, sobretudo a do ferro, cuja quantidade calculou em oitenta e um mil milhões de toneladas, podendo a província tornar-se fornecedora de aço ao resto do mundo se, por meio de linhito(21), de que se encontram vastos depósitos em Minas, se conseguir aceitar diretamente o seu ferro. Gostei de ouvir a exposição de ideias tão civilizadoras a oitenta léguas do Rio de Janeiro, de onde, felizmente, já começou a irradiar-se o progresso a todo o Brasil.

Recebi até 9. Conversei bastante com o velho Quintiliano(22) e o juiz de direito Guimarães, que não me deram informações satisfatórias do foro de Ouro Preto. A mãe do deputado Lemos(23) é uma senhora idosa, de fisionomia distinta. Li na cama os jornais do Rio, até 29. Já deviam ter chegado os de 30, se o correio é diário como anunciaram e preveniu-me o Buarque(24).

Post - JornalJornal “A Província de Minas”:

MARÇO — 31 − … Ataviada de galas − flores silvestres das montanhas −, a velha capital mineira exulta de prazer! […] Vivam Suas Majestades Imperiais! Expressão sincera do nosso sentimento pessoal, este brado é o eco fiel das aclamações populares. […] Sobejam nobres motivos para o regozijo popular. Nestes tempos, em que o indiferentismo e a descrença pairam desoladores nos espíritos, emurchecendo-lhes fagueiras esperanças, os augustos imperantes do Brasil são, para o povo, um entusiasmo e uma fé. É que eles simbolizam o patriotismo como a púrpura, a virtude como a majestade do trono.

[…] No monarca, veem os bons cidadãos não só o chefe magnânimo […] mas, também, o tipo do patriota, sábio e infatigável, e o homem […] que, no decurso de seu reinado […] nunca transviou-se do dever impelido por paixões inconfessáveis […] Em S. M. a imperatriz, está o povo brasileiro habituado a contemplar, com respeito e admiração, todas as peregrinas virtudes, que assinalam a excelsa princesa, como um raro modelo de quanto se pode asilar de mais puro e de mais santo n’um coração de esposa e mãe.

[…] Bem-vindos sejam os augustos Imperadores do Brasil!…

Diário

Post - D Pedro miniABRIL — 1 (6ª fª) − 6 h, banho. Leitura, até 7. Visita à cadeia. Edifício bem construído, porém as prisões inferiores, sobretudo uma de galés, verdadeira enxovia; não me agradaram. Livros em regra. Disse aos presos que mandassem suas petições à presidência. O chefe de polícia disse que, um deles, está preso inocentemente, conforme a declaração de que existe certidão do culpado. Aula na cadeia, mas o ensino não é obrigatório. Os alunos são os mais morigerados e apenas trinta e seis, quando há mais de trezentos(25). Prisões que não hão de ficar às escuras, fechadas as portas das janelas, ou inabitáveis por ventania ou chuva, que entrará pelas grades. Lembrei que pusessem vidraças.

9 − Lição de Bovet(26) sobre a mineração do ouro. Morro Velho perde vinte e cinco por cento do ouro da mina e Pari quarenta por cento. Foi muito interessante a lição. Pedi-lhe notas para a minha visita a Morro Velho. Gorceix explicou-me a sua quase crença de que o diamante forma-se em veios onde há fluoretos dentro de quartzitos. Mostrou-me pedras que parecem provar isto. Examinei as coleções de diamantes, ouro, ferro, linhitos e grafite, escrevendo com um pedaço deste. As provas agradaram-me, sobretudo as de Augusto Barbosa da Silva, que é o melhor estudante de matemática. Gorceix trabalhou com bateia, em cuja fica ouro, que ele me mandará.

Post - Tereza CristinaTereza Cristina Maria, imperatriz consorte.

11 h ¼ − Depois do almoço tornei a sair, mas a cavalo. Liceu. Casa pequena. Os alunos interrogados agradaram-me. Escola normal. Casinha bonita. Não me desagradou. A professora pareceu-me inteligente. Aula primária mista, casa acanhada. Não me agradou. Há outras aulas que não pude visitar porque, de uma ao menos, os alunos retiraram-se à hora habitual.

Perto do liceu está a escola de Farmácia. Poderá ser boa somente pelos professores, que são três: física e botânica, as duas químicas, matéria médica e terapêutica. Tesouraria provincial, má casa, onde está também a biblioteca provincial, que tem boas obras, porém, em geral, já antigas e faltando as periódicas em dia, e geral; antiga Casa dos Contos. Bem construída. Aí também está o correio, mal acomodado. Vi o lugar da bala do revólver que disparou contra o gerente do Monte Socorro, o tesoureiro comprometido por um desfalque de um conto, mas que havia roubado diversas associações. A tesouraria geral carece de alguns reparos e parte do edifício é muito úmida.

Fui ver a casa de Marília de Dirceu, onde se conservam uma cadeira e o cabide, na alcova em que dormia. Cortaram os pinheiros que havia no fundo da pequena chácara. A capela em ruínas, junto à qual se reclinava Gonzaga, para contemplar a casa de Marília, tem invocação das Dores. De uma janela do fundo desta casa, descobre-se a casa da ouvidoria. Assentei-me perto dela. Voltando, entrei na igreja matriz de Antônio Dias; tem belas proporções internas.

Igreja de São Francisco de Paula − Lindíssima vista do adro para a banda da cidade e da ladeira das cabeças. Creio que foi deste lugar que se pintou o quadro que possuo. Antes de ter ido lá, visitei o quartel de polícia. Casa boa, porém até os soldados dormem em casa de pessoas da família. Hospital da Misericórdia. Pequeno, em parte mal situado, porém pareceu-me bem tratado. Jantar e recepção. Entreguei três cartas de alforria a três mulheres, por intermédio de monsenhor José Augusto e do cura de Sta. Ana, e soube que a baronesa(27), que veio com a família, alforriou seus escravos que têm servido na liteira da imperatriz. — DIÁRIO: continua na próxima postagem.

Post - PalácioO antigo Palácio do Governo, em 1897 transformou-se em Escola de Minas.

Post - JornalJornal “A Província de Minas”:

ABRIL — 3 — Ontem, às 6 horas da manhã, Suas Majestades Imperiais partiram para Sabará e outros lugares que pretendem visitar. Durante sua […] estada, não cessaram as manifestações da alegria popular, que saudaram os augustos viajantes em sua chegada aqui, notando-se na cidade, […] especialmente nas noites de 30, 31 e 1, um movimento de povo como jamais vimos entre nós.

Sua Majestade […] visitou todas as repartições públicas, escolas, hospital de caridade, etc., inquirindo do estado desses estabelecimentos, examinado alunos e alunas das escolas e revelando, em tudo e sempre, o zelo ilustrado e a infatigável atividade que a todos causa verdadeira admiração.

Na tarde de 31 de março, celebrou-se solene Te Deum na matriz […] pela chegada dos augustos viajantes e, à noite […], honraram eles com sua presença à conferência que fez, no salão da assembleia provincial, o Sr. Dr. H. Gorceix […] Todas as noites, Suas Majestades receberam, em palácio, as pessoas que quiseram ter a honra de cumprimentá-los e a quem se dignaram tratar sempre com benevolência e afabilidade.

A geral e bela iluminação da cidade, fogos artificiais, embandeiramento e ornatos das casas e rua, concorreram para o brilhantismo da festa, cuja melhor expressão, no entanto, estava na cordialidade do prazer público e no vivo entusiasmo que a todos animava. Dando pública prova de seu regozijo, pela visita imperial a Ouro Preto, algumas pessoas gradas concederam cartas de liberdade a escravos, atos meritórios, que são dos melhores para a comemoração, entre nós, de sucessos importantes e festivos.”

Post - JornalJornal “A Província de Minas”:

ABRIL — 17 − “Anteontem, sexta-feira da paixão, S. M. o Imperador perdoou a pena de galés perpétuas, que estava cumprindo na cadeia desta cidade, o condenado Joaquim, cuja petição de graça foi apresentada à Sua Majestade, com os documentos precisos, pelo redator desta folha. Joaquim, conforme já noticiamos, foi vítima de um horrível erro judiciário. Condenado à morte, deveu ao poder moderador a comutação dessa pena irreparável, na de galés perpétuas* (*prisão com trabalhos forçados), que o mesmo poder moderador acaba de lhe perdoar. Ontem mesmo foi solto, ficando, assim, devendo ao Imperador a vida e a liberdade.”

Post - JornalJornal “A Província de Minas” conta como Joaquim escapou da morte:

MAIO — 1 − … O réu, acusado de matar a seu senhor, não perpetrou realmente semelhante crime. Os tribunais, que o sentenciaram à morte, cometeram um desses formidáveis erros jurídicos que, infelizmente, não são tão raros […] Envolvido em complicada rede judicial, o mísero escravo em vão protestou a sua inocência, inutilmente derramou copiosas lágrimas, debalde invocou o testemunho de um Deus, único que podia aclarar as misteriosas profundezas daquele drama sanguinolento. As circunstâncias especiais do atentado sujeitavam o mísero a uma lei de exceção e o júri do termo de Itajubá, na noite de 23 de setembro de 1876, entendeu que esse homem não tinha mais direito à vida […]

Ainda bem que […] o Imperador mostra à pena de morte uma aversão terrível e, quase sempre, a tem comutado […] pelo menos deixa, como no caso vertente, a possibilidade de uma reparação: Joaquim não subiu à forca, mas caminhou tristemente para as galés. Parece, porém, que os gemidos […] da pobre vítima, se não calaram no ânimo dos juízes, encontraram eco numa região mais serena e elevada. Para outro escravo, de nome Camilo, comprometido no mesmo processo − e esse o verdadeiro assassino do seu senhor −, soou aquela hora terrível em que desfalecem os corações mais endurecidos. Antes de engolfar-se na eternidade, quis esse criminoso reparar o mal em que envolvera o seu desditoso companheiro e revelou ao sacerdote que o ouvira em confissão, o reverendo padre Paulo Emílio, o segredo da própria culpabilidade e o da perfeita inocência daquele no qual a justiça dos homens se obstinara em ver um co-réu […]”

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Post - Sumidoiro MARCAComentário de “Sumidoiro’s Blog”:

O IMPERADOR E OS NEGROS

Durante a estada em Minas Gerais, o imperador deu várias cartas de alforria e tirou escravos da forca, como o já citado Joaquim. Era de se esperar, pois em toda oportunidade, manifestava repulsa pela escravidão, como naquele dia em que recebeu quarenta escravos de herança, por motivo da maioridade. Mandou, então, libertar todos. Uma explicação para isso é a presença marcante de um negro na sua infância. Chamava-se Rafael (*1791 †1889), um ex-excravo, natural de Porto Alegre, que havia lutado na Guerra Cisplatina. Esse homem entrou na vida de Pedro quando ele tinha pouco mais de cinco anos de idade, tornando-se seu criado e grande amigo.

Seu pai d. Pedro I, junto com a madrasta, haviam abandonado o país, deixando para o menino um presente não desejado, a coroa de imperador. Desde então, passou a ser criado por tutores com muita rigidez, mas tinha Rafael para lhe proporcionar momentos de liberdade e descontração. Sem dúvida levou uma infância difícil, transformando-se numa pessoa tímida.

Post - D. Pedro II - 1839Menino Pedro, em 1839.

O pequeno “órfão” recebia muito afeto e apoio de Rafael, que o carregava nos ombros e lhe dava refúgio no seu quarto, quando não queria estudar. Foi um protetor incansável e extremamente abnegado. Às vezes, dormiam no mesmo quarto, quando o pequeno imperador se assustava, com medo de fantasmas e almas de outro mundo, sendo levado ao choro. Mesmo algumas atribuições femininas Rafael assumia eficazmente, como dar-lhe banho e trocar a roupa. Além disso, Pedro sempre pedia ao anjo negro que lhe contasse histórias, para ter algum divertimento.

Quando o menino não dava conta dos deveres, pedia a Rafael para o esconder, mas sempre era alertado de que seria pela última vez. Mais tarde, Pedro agradecido cuidou de dar o troco ao amigo e ensinou Rafael a ler. O personagem é descrito no livro “O Negro da Quinta Imperial”, de Múcio Teixeira, comensal do imperador por mais de trinta anos. Segundo o autor, “era um negro alto, robusto, de maneiras desembaraçadas e olhar vivo, a carapinha crescida e sempre muito bem penteada, o bigode de pontas torcidas para cima e a barba em ponta, só no queixo.” Quando d. Pedro II foi deposto, Rafael contava noventa e oito anos de idade. O anjo negro não foi comunicado imediatamente da prisão do seu amo. O livro descreve o momento em que lhe deram ciência do fato:

“Manhã sombria. Uma chuva miúda caíra pela madrugada do dia 16 de Novembro de 1889. As vastas alamedas da Quinta Imperial estavam desertas… Rafael, mal raiara a aurora, abandonou seus aposentos, nos baixos do torreão sul, e, muito tremulo, amparado por um rijo bastão, deu início ao seu passeio habitual. Velho e cansado, passara o dia anterior preso ao leito, ignorando que a República havia sido proclamada no Brasil. Vagarosamente caminhava, ouvindo o gorgeio dos pássaros e contemplando, com olhar nostálgico, os lagos sonolentos. […] Caminhava e meditava, olhando também para o passado, para a sua longínqua mocidade! Quantos sonhos desfeitos!

‘Como é triste envelhecer!’ – murmurava o velho pagem imperial. Ao chegar ao portão da Coroa, já ofegante, observou com espanto dois soldados que davam vivas a república! Sempre meditando, lentamente regressou ao Paço. Ao aproximar-se do solitário Palácio Imperial, viu o bibliotecário Raposo muito agitado, com cabelos revoltos, andando de um lado para outro lado… Rafael, muito cansado, curvado e tremulo, sempre amparado pelo seu bastão, dirigiu-se ao bibliotecário do Paço e interrogou-lhe: ‘Seu Raposo, você enlouqueceu?’ Parando diante do Rafael, o Raposo, como louco, bradou: ‘Rafael, tu não sabes que ontem foi proclamada a república e que teu senhor está preso no Paço da Cidade?’.

Rafael, atordoado, deixou cair o forte bastão, no qual a vinte anos se apoiava seu débil corpo; curvado, ergueu-se, cresceu… O seu olhar morto e nostálgico, transfigurou-se, como que iluminado por clarões estranhos. Levantou o braço direito para o céu e exclamou com voz comovente e sonora: ‘Que a Maldição de Deus caia sobre a cabeça dos algozes do meu Senhor!’

E em seguida rolou por terra, estava morto.”

O imperador não possuía escravos e sim empregados. A dedicação de Rafael explica de onde veio o apreço que d. Pedro II sempre teve pelos negros.

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Post - Insígnia P IID. Pedro II nasceu em 02.12.1825, às 2h30 da manhã, no Paço de São Cristóvão (RJ). Nome completo: Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga. Filho de d. Pedro I e Leopoldina da Áustria. / Em 07. 04.1831, d. Pedro I abdicou em favor de d. Pedro II, partindo para a Europa. / Quando fez a viagem a Minas Gerais, d. Pedro II tinha 56 anos de idade. // Esposa: Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias (*14.03.1822 †28.12.1889). Nome completo em italiano: Teresa Cristina Maria Giuseppa Gasparre Baltassarre Melchiore Gennara Rosalia Lucia Francesca d’Assisi Elisabetta Francesca di Padova Donata Bonosa Andrea d’Avelino Rita Liutgarda Geltruda Venancia Taddea Spiridione Rocca Matilde. Mãe de Afonso Pedro, Isabel, Leopoldina e Pedro Afonso.

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Compilação, adaptação, comentários e arte por Eduardo de Paula

Colaboração: Carlos Aníbal Fernandes de Almeida / Revisão: Berta Vianna Palhares Bigarella

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(1) Fonte do Diário: “Anuário do Museu Imperial”, vol. XVIII, 1957, versão e notas por Hélio Vianna. // O roteiro completo, anotado no diário de d. Pedro II, começa com a partida na estação de São Cristóvão (Rio de Janeiro) e prossegue com a subida pela estrada da serra da Mantiqueira. Depois e em sequência, destacam-se como pontos principais: Barra do Piraí → Barbacena → São João del-Rei → Carandaí → Queluz (Conselheiro Lafaiete) → Ouro Preto → Cachoeira do Campo → Casa Branca → Congonhas do Sabará (Nova Lima) → Arraial Velho (antigo Sabará) → Sabará → Santa Luzia → Recolhimento de Macaúbas → Lagoa Santa → Matozinhos e retorno para Santa Luzia → Caeté → Caraça → Catas Altas → Santa Rita Durão → Mariana → Ouro Preto → Queluz → São João del-Rei → Barbacena → Antônio Carlos → Presídio (Visconde do Rio Branco) → Ubá → Rio de Janeiro // Sumidoiro’s Blog corrigiu e atualizou grafias de palavras (nem todas), alterou pontuações, tanto na transcrição do Diário, quanto nos noticiários da imprensa, preservando a integridade do conteúdo. Ainda acrescentou notas e ilustrou. Vale esta observação para todas as postagens da série.

(2) SPERLING, Bruno von – engenheiro do 1° distrito de Obras Públicas da Província.

(3) COUTINHO, Aureliano de Sousa e Oliveira – Visconde de Sepetiba (*1800 / †1855). Juiz e político; ministro da Justiça e dos Negócios Estrangeiros, senador do império, e vice presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Post - Gorceix(4) GORCEIX, Claude-Henri – (*19.10.1842 / †1819). Francês, mineralogista. Fundador da Escola de Minas de Ouro Preto e seu primeiro diretor (imagem à esquerda). 

(5) SILVA, José Augusto Ferreira da.

(6) Papo, o mesmo que bócio. Consequência do aumento de volume da glândula tireóide. É causado pela carência de iodo na dieta.

(7) Caleça – Carruagem de dois assentos e quatro rodas, descoberta na parte dianteira, e puxada por dois cavalos.

(8) Trole – Carruagem rústica, carro baixo usado nas fazendas e vilas, antes do advento do automóvel.

(9) CARVALHO, Teófilo Feu de – Historiador mineiro.

(10) Ribeirão do Carmo – Curso d’água que veio a dar o primeiro nome de Mariana – arraial do Ribeirão do Carmo -, cidade próxima a Ouro Preto.

(11) BENEVIDES, Antônio Maria Correia de Sá e – 8° bispo de Mariana.

(12) Cadeia – Antiga Casa da Câmara e, depois, penitenciária. Hoje, Museu da Inconfidência.

(13) Palmensis Comes refere-se ao conde de Palma, d. Francisco de Assis Mascarenhas, governador da capitania das Minas Gerais, de 1810 a 1814. / Comes: latim = companheiro, parceiro, associado; o que apoia.

(14) Lavatório da sacristia da igreja de Nossa Senhora do Carmo, obra atribuída a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

(15) SANTANA, Joaquim José – (*1814 / †1890). Vigário de Ouro Preto e vice-presidente da província em várias exercícios.

(16) Primeiramente instalada num edifício da rua Padre Rolim, em 12.10.1876, próximo à Igreja de Nossa Senhora das Mercês de Cima, a Escola de Minas ali funcionou durante cerca de 20 anos. Em 1897, foi transferida para o Palácio dos Governadores, então vago com a mudança da capital do estado para Belo Horizonte. O Palácio foi sede de governo e, ao mesmo tempo, moradia dos governadores.

(17) OTTONI, Honório Benedito – (*1837/†1902). Vigário de Carandaí, filho do coronel Tristão Vieira Ottoni, neto paterno do poeta José Eloy Ottoni e de dona Maria Rosa do Nascimento Esteves. Ordenado em 1869 e elevado ao canonicato em 12.04.1871. Mudou-se para Juiz de Fora (MG), onde abandonou a batina e abraçou a seita metodista, tornando-se dela sacerdote e casando-se com influente senhora daquela sociedade.

(18) ATHAÍDE, Manuel da Costa – (Mariana, bt. 18.10.1762 / Mariana, †02.02.1830). Mais conhecido como Mestre Athaíde, foi militar, pintor e decorador. Contemporâneo e parceiro de trabalho de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

(19) CÂNDIDO, Francisco de Paula – (Minas Gerais, *1804 /†1864). Doutor em Medicina pela Universidade de Paris em 1833. Membro Titular da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1833, sendo Presidente nos 1º e 2º trimestres de 1834. Presidente da Academia Imperial de Medicina em 1842-45 e 1852-55. Professor de Física Médica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (atual UFRJ). Deputado por Minas Gerais, Senador, Conselheiro do Império. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia de Belas Artes, da Academia Filomática de Paris e da Academia de Ciências Médicas de Lisboa. Médico efetivo da Imperial Câmara. Patrono da cadeira nº 20 da Academia Nacional de Medicina.

(20) Sobre a formação artística de Mestre Athaíde o que existe não passa de especulações. Há quem diga que teria sido aluno de João Batista de Figueiredo, como também de João Nepomuceno Correia e Castro e Antônio Martins da Silveira, que viviam na região.

(21) O lignito ou linhito (em Portugal, lignite ou lenhite) é um tipo de carvão com elevado teor de carbono na sua constituição (65 a 75%). Encontra-se geralmente mais à superfície, por ter sofrido menor pressão e tem cor acastanhada. A sua extração é relativamente fácil e pouco dispendiosa.

(22) SILVA, Quintiliano José da – (Curral del Rei, *23.12.1802 / †1889). Desembargador e presidente da província de Minas Gerais, de 17.12.1844 a 20.12.1847.

(23) LEMOS, Manuel Joaquim de – Deputado.

(24) MACEDO, Manuel Buarque de – (*1837 / †1881). Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, membro da comitiva de d. Pedro II.

(25) De fato, 381 alunos, sendo 10 mulheres, de acordo com reportagem do “Jornal do Comércio” (RJ).

(26) BOVET, Armand – Francês, professor de exploração de minas, docimasia e metalurgia. Escolhido por Gorceix para ministrar aulas na Escola de Minas.

(27) MAGALHÃES, Maria Leonor Teixeira de – Baronesa. Casou-se com Manuel Teixeira de Sousa, o primeiro barão de Camargos e, quando enviuvou-se foi agraciada com o título de viscondessa. Faleceu em Florença.

9 Comentários »

  1. Eduardo, gostei do registro do Diário do Imperador. Aguardo a parte da estada dele em Santa Luzia, no Solar da Baronesa e também sua passagem por Macaúbas, onde até construíram um chalet para ele. E quanto à escrava Manuela, com quem dizem teve um filho? Abraço, Juscelina.

    Comentário por Maria Juscelina de Faria — 01/08/2014 @ 1:12 pm | Responder

    • Maria Juscelina: Vamos passar por Santa Luzia e Macaúbas. O imperador apreciou muito o que viu nesses lugares.
      Muito obrigado e um abraço do Eduardo.

      Comentário por sumidoiro — 01/08/2014 @ 2:00 pm | Responder

  2. Pelas histórias contadas, pareceu-me que o imperador era uma pessoa de bom coração, com grande compaixão nas suas atitudes. E, também, gostaria de preservar os lugares por onde passou, onde viu casas e lugares públicos deteriorados ou sem condições de funcionar. É pena que, até hoje, muitos casarões são demolidos, jogando fora a história. Aguardo a continuação e envio um grande abraço, pela sua incansável sabedoria e vontade de disponibilizar tudo isto para nós e nossos descendentes.
    Emília Viana

    Comentário por Maria Emília de Magalhães Viana — 01/08/2014 @ 2:17 pm | Responder

    • Maria Emília:
      O d. Pedro II que descobri agora, quando já estou avançado na idade, não é o que mostraram-me nos meus tempos de escola. Cada vez mais aumenta minha admiração por esse homem que deveria servir de modelo para nossos políticos. Muito obrigado e um abraço do Eduardo.

      Comentário por sumidoiro — 02/08/2014 @ 9:44 am | Responder

  3. Eduardo,

    ficou muito bom o texto entremeando o diário do Imperador com artigos de jornais e ilustrações da época. A história do condenado Joaquim deve ser semelhante à do Jeremias, do Post anterior. A população local devia saber das injustiças e ter esperanças que fossem reparadas.
    Belo artigo! Aguardo a continuação.

    Comentário por jbvianna — 02/08/2014 @ 8:22 am | Responder

    • Olá João:
      Imaginei que, juntando as palavras do diário com as da imprensa, traria mais veracidade à história da viagem. Então, acho que deu certo, não é? Muito obrigado e um abraço do Eduardo.

      Comentário por sumidoiro — 02/08/2014 @ 9:33 am | Responder

  4. Eu também tenho simpatia pelo nosso imperador. Acho que foi um erro expulsá-lo do Brasil, quando caiu o império. Poderia ter ficado aqui e até mesmo colaborando, porque tinha boas ideias. Pelo menos, não foi fuzilado como costumavam fazer nas tomadas do poder. Adorei o passeio com ele pela antiga Minas Gerais. Conhecer pelo menos em foto a casa de Marília de Dirceu foi grande emoção para mim.

    Comentário por sertaneja — 03/08/2014 @ 2:06 pm | Responder

    • Virgínia:
      Vai ter mais. Este é o primeiro de uma série de Posts com o imperador.
      Muito obrigado e um abraço do Eduardo.

      Comentário por sumidoiro — 03/08/2014 @ 4:42 pm | Responder

  5. Muito bom. Vou continuar lendo o diário de Dom Pedro II. Obrigada pela oportunidade. Ydernéa

    Comentário por Ydernéa — 09/12/2020 @ 11:15 am | Responder


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